Junta de Freguesia de Santa Cruz (Praia da Vitória) Junta de Freguesia de Santa Cruz (Praia da Vitória)

Paróquia de Santa Cruz

ORAGO - SANTA CRUZ

 Matriz

Desfaz-se junto à Praia a vaga rendilhada,

Pulveriza a Atmosfera uma névoa cor de oiro,

E, como a caixa-forte, o cofre dum tesoiro,

Ergue-se ao Sol e à Chuva a Matriz bem caiada.

 

Como sobre um vergel a carcaça dum moiro,

Fico por sobre a Cruz a Cúpula enevoada,

Como o lindo flavor de almo cabelo loiro

Rebrilha do bom Sol a rosa, na Amurada.

 Dom Duarte, de 

mitra e bác´lo cinzelado,

Rico anel de ametista e samarra eminência,

Asperge, hissopa a flux, de fidalgos 

rodeado 

E como o ritual lhe diz: - facta reverentia -,

Inclina-se; e depois, com solene veemência

Treme, reboa, canta a voz do Dom Prelado.

1917

Vitorino Nemésio 


“A 24 de Maio de 1517 foi a Matriz sagrada pelo bispo anelar D. Duarte, a requerimento de Antão Martins Homem, e seu filho, locotenente, Álvaro Martins, sendo Juiz ordinário João D’Ornelas, mais o Senado, toda a fidalguia e nobreza. Solenidade de Pontifical Romano. No altar-mor depositaram as santas relíquias. Já quatro vezes arruinada por sismos.

D. Jerónimo Teixeira Cabral a 3 de Dezembro de 1601, perante o Juiz Gil Fernandes Teixeira, o Senado, muita fidalguia, nobreza e povo, tomou as relíquias do altar-mor, postas por D. Duarte quando da sagração, e colocou-as num sacrário. – O Presidente da Câmara, Gaspar Camelo do Rego Borges, em sessão de 4 de Junho de 1603, meteu as relíquias numa cruz de prata de seis marcos, a fim de poderem ser levadas nas procissões, expostas à admiração dos fiéis. Peça feita pelo ourives Manuel Gonçalves, que da custódia do S.S. se serviu como modelo, recebendo 9$000 rs. pelo trabalho. – E em 10 de Setembro de 1653 foram os vereadores à matriz para acautelar a cruz, confiando as chaves do sacrário que a continha: uma ao vigário, outra ao beneficiado que presidia ao Coro e a terceira ao presidente da Câmara.

Drumond ignorava o paradeiro destas relíquias. Mas Ferreira Deusdado cita que o vigário Rocha Sousa lhe disse as ter encontrado em 1905 na cruz do Santo Lenho, numa delas se lendo: palma Nossa Senhora. A estas relíquias alude, por intermédio de Jorge Cardoso (Agiológico Lusitano), o Dr. António Sousa Macedo (Eva e Ave ou Maria Triunfante, 470).

O dito prelado, D. Jerónimo de Cabral, em 1602 entrara em conflito com o Senado, obrigando a reparar a igreja e a sineira. Já os seus antecessores, D. Gaspar de Faria e D. Pedro de Castilho, haviam excomungado a Câmara, ao que se supõe, reincidente em coisas do Senhor. Ao fim e ao resto, apurou-se que o Bispo se excedera e a Edilidade foi atendida.

Os religiosos franciscanos gozavam o privilégio do púlpito.

Eram os seus pregadores, recebendo dos domingos e festividades anualmente quatro moios de trigo, por acordo de 23 de Novembro de 1545, e de, depois, mais dez mil réis, a 19 de Janeiro de 1553.

Segundo Drumond (An., I,114), a Câmara da Praia pagou em 1545 um moio de trigo a Gonçalo Álvares, o velho, para tanger aos domingos e festas. O historiador de S. Sebastião comenta: “Por esta deliberação entendemos, que ainda a música não estava admitida nesta igreja, porque se não carecia de quem tocasse pelas notas, e bastava um cego!” Nemésio (Memorial, 111) supõe que se tratava de um simples moço de fole. Mas não seria o primeiro a vir para esta ilha, como presume Henrique Borba, dado que em 18 de Outubro de 1540, encontrámos nos papéis do Cabido referência a um tangedor de órgão da Sé de Angra “que teria o ordenado de oito mil réis”: No seu ms. “Os órgãos da Ilha Terceira”, Henrique Borba credita à Matriz da Praia da Vitória- e nós vimo-lo, arrumado, precisado de conserto devido ao sismo de 80 – um de António Manuel Machado Cerveira, n.º 40, feito em 1793, acabado em 5 de Setembro, anotando-lhe os registos. Não pode, contudo, averiguar se foi adquirido diretamente do fabricante ou de algum convento, como supõe. Manual, de 51 teclas, “sua tessitura vai do  na segunda linha suplementar inferior na clave de , até ao , no terceiro espaço suplementar superior da clave de sol.

Cercada por capelas e altares, sem falar na mor, nenhumas vimos com imagens, mas vazias, despidas de ornatos e enfeites, incluindo o tesouro do Santíssimo, a bom recato, porque o templo sofre a quarta crise provocada pelos sismos. Não podemos, assim de ocasião, dar o aspecto habitual da sua beleza. Oferecemos, porém a fisionomia anterior a 1980, consoante a memória o permitir.

Capelas constituídas por cabeças de morgados. Da banda direita, situam-se a das Almas, erecta em 1694, pelo padre António Raimundo Correia; das Chagas, em confraria de eclesiásticos, com estatutos próprios, inaugurada em 1620; Santa Madalena, fundada por D. Margarida Ornelas em 1550 – e de Branca da Câmara, mulher de Diogo Paim da Câmara. A do Rosário, ao lado da capela-mor, toda dourada, em barroco, de João Ornelas Saavedra, armas figurando no remate da arcada e duas lousas fúnebres identificando os sepultados, Francisco Câmara incluído. À esquerda, a de Nossa Senhora dos Anjos, erecta em 1532; a de Santo André, ostentando as efígies súplices pelo grande morgado Vasco Lourenço Coelho, e mulher «, Leonor Fernandes, do Cabo da Praia, por testamento de 15 de Dezembro de 1522; S. Pedro Gonçalves, instituída pelo padre Pedro Fagundes.

Igreja rica e nobre, três naves, da invocação de Santa Cruz. Portas e pilares de mármore, abóbada pintada a preceito, como de resto todo o templo. De fino gosto o retábulo e camarim oferecendo-se aos olhos do seu magnífico douramento, de expressão bela.

“Os portais, em estilo manuelino, que se admiram na face oeste (frontaria do templo) e na face sul, enviou-os para a Ilha Terceira, nos fins do século XVI, D. Manuel ou D. Sebastião. A entrada principal deste templo tem uma aparência nitidamente gótica, com uma arcada de quatro arquivoltas, embebida num corpo avançado, moldurado lateralmente de colunelos em andares, sobrepujada de um frontão ou glabe agudo, semelhante aos que, do século XIII à primeira metade do século XV, resguardavam os portais nobres, axiais e travessos, evocando o conjunto dos portais célebres de S. Francisco, de Santarém e Mosteiro da Batalha.

A armação nas arquivoltas interiores poderia passar, dada a finura dos colunelos, o volume dos capitéis, a altura e a forma das bases, como obra contemporânea da fundação, 1456. Mas, na face do glabete ascendem regulares, a rematar em florão as guias de um arco cenopial de gosta puramente manuelino, formado de trança de cadeia, que coloca, determinadamente, o aparado na arquitectura do primeiro quartel de 1500, e, naturalmente, no arco que se vê inscrito no óculo da fachada, de 1517. Esse tipo de cordões encontramo-lo em S. Francisco de Évora e no Mosteiro da Batalha. O portal do lado sul acolhe sobre um frontão mais simples as suas três arquivoltas.

O arco do exterior é de pleno centro com uma ligeira concessão ao cenopial no fecho, onde os toros enleados por um sistema de secções rectas e curvas que os entalhadores de cadeirais e retábulos adoptaram, frequentemente, na segunda metade do século XIV, espigam em florão discreto.

A arca intermédia é, igualmente, de volta plena, torada na aresta e moldurada; a do interior é de querena simples, as curvas ultrapassadas nas saimés, com o aspecto de guarnições de ajumez mudéjar alentejano, a que houvessem tirado o colunelo divisório.

Contemporâneas dos portais são as abóbadas das capelas laterais, de S. Francisco, Senhor dos Aflitos e outras, suspensas sobre estrelas nervadas, de cruzaria, terceletes e cadeias, incluindo o casco, na parte superior, um quadrifólio decorativo, com a intercepções adornadas de chaves tipicamente manuelinas, aderente às laterais, estalactíticas as centrais, havendo na Capela do Senhor dos Aflitos o brasão do fundador.

No mesmo santuário conserva-se um retábulo de madeira, cuja armação, em oito painéis e um encasamento, é de puro estilo do renascimento. É digna de ser observada a obra de talha dourada deste altar, tendo sobre o camarim a venerada cruz, orago da paróquia de Santa Cruz. Admirável pelo retábulo, do século XVIII, e pelo pórtico de ferro forjado, da capela do Santíssimo”. O padre Júlio da Rosa, em O Culto Eucarístico”, dedica três quartos de página a esta capela, considerando o sacrário de inspiração Serliana, único entre nós.

“A pia baptismal é toda de mármore, oferecida pelo rei D. Manuel I ou D. Sebastião. A caldeirinha de água benta tem grande valor pela antiguidade, supondo-se que vem do tempo da fundação. A prova está na irregularidade dos desenhos de que é rodeada por fora, e que foram feitos à mão, como se usava naquela época”. Das duas custódias, uma é do ourives praiense Jácome Jerónimo de Lemos, “com 44 cabeças de anjos, bem circulados, assim como todo o conjunto acabado com primor”

“Na sacristia, que é espaçosa, encontra-se uma mesa de mármore lioz, tendo como suporte uma base e capitel da antiga coluna”.

No livro do priorado tombam-se anotações de real interesse: um alvará de 1512 autorizando os Beneficiários a celebrarem a missa dos Trintanários; outro, de 1532, pagava-se a Missa a trinta réis; outro ainda, de 1541, a Missa dos Infantes era dita à hora de Tercia. E, finalmente, em 1581, tiveram permissão de rezar na capela-mor.

De 1596 a 1599 esteve interdita esta igreja, por dentro dela se ter ferido um homem. A Edilidade alcançou do cónego Simão Vaz, um Breve papal para ser benta por uma das dignidades da Sé, então vacante, destinando-se 6$000 réis para as cerimónias.

Tinha vigário e nove beneficiados, um organista, um mestre da capela e quatro coristas, que em 1832 foram extintos, ficando reduzido a um vigário, dois curas e um tesoureiro. Superando a paróquia os 280 fogos, em 1568, ao seu vigário coube um acréscimo de trinta e dois mil réis, dois moios de trigo de duas pipas de vinho, igual ao da Ribeira Grande, pois ambas estas igrejas assentaram com vigário, a vencer dois mil réis. Côngrua elevada a 40$000 rs. em 1599 e cada um dos nove beneficiados auferia 18$000 rs. Conforme o alvará de 17 de Agosto de 1602 ficou o vigário com 45$000rs., o beneficiário com 21$000 rs. e cada um dos curas  22$0000 rs., recebendo o tesoureiro mais 2$000 rs. E pelo tempo adiante se aumentaram as côngruas a trigo, sendo a do vigário 10 moios e 6 alqueires e 16170 rs. e da capela dos infantes 36,5 alqueires e mil réis, enquanto aos beneficiários se pagava 4 moios e 26 alqueires e 7$995 rs., aos curas 4 moios e 26 alqueires e 7$328,5 rs., ao pregador 4 moios de trigo e 10$000 rs., ao tesoureiro 1 moio, 12 alqueires e ¾  e a dinheiro 1$999 e para a sacristia 1 q.to (quartões?) de vinho e 25 canadas de vinho, 25 canadas de azeite com 10$000 rs. , além de 10$000 rs. para a fábrica. Em 1890, a côngrua do vigário era de 387$075 rs., a do 1.º cura 177$600 rs., a do 2.º cura 160$725, a do tesoureiro 105$560 rs. anuais. Actualmente, é de dez mil escudos, desde Fevereiro de 1981, para o vigário.

Testemunhando não ter sido o flagelo de 1614 tão esfacelante para a Matriz como se diz, e por consequência não se perdeu a sua congregação de 24 de Maio de 1517, basta advertir-se que no Livro IV dos baptismos, em 9 de Junho do mesmo ano, aparece um registo. E no Livro III, nos casamentos, se administrou este sacramento na mesma igreja em 22 de Junho, ou seja, a trinta dias do sismo. Embora seja verdade, só em 23 de Dezembro de 1628 se passou a provisão para a transladação do S:S., para a Matriz consertada de novo das ruínas do terramoto. Provisão arquivada no priorado.

Pelos fatais abalos de 24 de Junho de 1800 e 26 de Janeiro de 1801, arruinaram-se: o frontispício, a torre e o tecto, sobretudo da capela-mor. A torre era a mais alta da ilha. Media cento e oitenta e três palmos. Desceu até aos fundamentos para se poder levantar. A porta de jaspe, principal, já deslocada pelo sismo de 1614, tornou necessário desmanchar toda a fachada. Arranjo dos sinos, subidos para o seu lugar, depois de oito anos, no adro tocando entre as pedras. O padre António Joaquim Fagundes conseguiu dinheiro na Real Fazenda local, para estas obras. Do frontispício apenas se conservou a porta principal, sendo novo tudo o mais, “imitando o gosto gótico”. Arrematados os trabalhos em 30 de Julho de 1808: por 1220$000 réis, o de pedreiro, pelo empreiteiro Romualdo José; o de carpinteiro, serreiro e pintor, na importância de 700$000 rs., por Estanislau Caetano, ambos da cidade. Ainda o arranjo dos sinos, no valor de 144 mil réis. Beneficiaram as três obras do acréscimo de, respectivamente, 124$$775, 272$000 e 105$240 rs., abonados pelas Confrarias do S. S. e do Rosário. – Durante os trabalhos encontrou o padre Fagundes, com a data de 1456, uma pedra, concluindo, assim, que a matriz se iniciou neste ano. Sobre a frontaria eleva-se um tarjão, vendo-se do lado esquerdo a legenda FUNDATA an. 1456 e, e do esquerdo RECUPERATA an. 1810.

Uma ordem circular do bispado de 19 de Agosto de 1807 tombada neste livro ordena que apenas se preguem nas portas das igrejas papéis respeitantes à disciplina eucarística.

No mesmo tombo da Matriz lê-se que “sendo frequentas as profanações, e sacrilégios roubos nas igrejas desta ilha, por estes tempos de funestas consequências, atreveram-se os ímpios ladrões a roubar três alâmpadas de prata da igreja do Colégio; arrombar as portas da Santa Sé, levando dela dez grandes castiçais de prata; e da paróquia das Lajes donde tiraram até alguma toalha da sagrada comunhão e as alvas da sacristia”; pediu ele, o padre António Fagundes, em 2 de Abril de 1808, ao capitão general Miguel António de Melo, uma guarda nocturna para a Matriz, este atendeu destacando para ali uma guarda de três soldados e um oficial inferior, desde o anoitecer até à hora dos primeiros serviços religiosos na manhã seguinte.

- A custódia laborada em Lisboa custou 212$400 réis e alguma prata, além da custódia velha, que foi desmanchada.

- Oito mil réis se pagou pelo missal, com capa de veludo verde.

- Os azulejos que guarnecem presbitério da capela-mor custaram 17$768 réis.

- Beneficiou, outra vez, de vastas reparações, em 1842, devido ao sismo do ano anterior, no cúmulo de brilhantismo. Levantou-se novo frontispício, com duas torres, uma para sinos, outra para o relógio – dantes só tinha uma -, mas ambas rasas. Rebocadas também as pinturas do tecto, das paredes e colunas, que ficaram deterioradas, assim como de novo se ergueu a capela-mor que havia caído.

- Continua na Matriz a imagem do Menino Jesus, que outrora foi do mosteiro de Jesus, e ali se festeja desde 6 de janeiro de 1886.

- Inaugurou-se na Matriz, a 2 de Junho de 1962, o Orfeão da Praia, com 47 vozes, sob a batuta do padre Armindo da Luz Borges. Acabou o agrupamento com a ida para Itália deste sacerdote.

- O último sismo de 1980, danificou-a grandemente, exigindo despesas avultadas os consertos que se impõem. Os três sinos foram apeados, que se encontram no adro: dois grandes, ambos de 1847, e o de menor dimensão tem a era de 1857.

- Os seus livros do termo civil, depositados no Arquivo Distrital de Angra, existe desde: baptismos, 10 de Julho de 1541; casamentos, 20 de janeiro de 1533; óbitos, 30 de Março de 1561.

- A iluminação eléctica da Matriz proveio de um peditório feito na vila em 1931, no qual participou João Ferreira dos Santos.

- De 25 de Março de 1963 a licença para a Missa vespertina.

- O versus Populo data de 27 de Junho de 1964.

- No passal há a inscrição, datada de 14 de Setembro de 1963, de homenagem da freguesia de Santa Cruz ao Dr. Diogo Gomes de Meneses, por ter legado aquela casa para residência paroquial. Recebeu obras em 1956.

- Assinalando o lugar do facto histórico, um padrão se ergue no adro, de “Em XXIV-III-MDCXLI aqui, pela primeira vez no Açores, foi proclamada a restauração de Portugal independente por Francisco Ornelas da Câmara. – A Câmara Municipal da Praia da Vitória levantou este monumento em XXIV-III-MCMXLI”.

in “Freguesias da Praia” de Pedro Merelim





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